O aumento no preço dos combustíveis se tornou uma das principais preocupações do governo federal e do Congresso Nacional nos últimos dias. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o óleo diesel ficou 51,04% mais caro nos últimos 12 meses, enquanto a gasolina subiu 27,36% – os dois aumentos estão acima do total da inflação, que até maio é de 11,73%. Os dois itens contribuem para que o índice siga avançando, com o impacto no transporte de outros produtos. No Brasil, a Petrobras determina os reajustes no valor pago quando os combustíveis saem das refinarias, e outros custos existem antes de chegar ao consumidor final: o ICMS, imposto estadual, o do biocombustível adicionado, o do lucro de distribuidores e revendedores e, no caso da gasolina, impostos federais (Cide, PIS/PASEP e Cofins). A situação é causada principalmente por um aumento nos preços internacionais do petróleo, os quais a estatal acompanha através da política de Preço de Paridade de Importação (PPI), que leva em conta também o aumento do dólar.
Tanto o Palácio do Planalto quanto deputados e senadores têm buscado soluções para a situação: os parlamentares aprovaram uma limitação de 17% na alíquota do ICMS que incide sobre energia, transportes, comunicações e combustíveis, o que desagradou governadores, mas já foi sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL). O governo pressionou o então presidente da Petrobras, José Mauro Coelho, a renunciar, e espera que Caio Paes de Andrade, atual secretário de desburocratização do Ministério da Economia, possa assumir o comando da estatal – ele foi indicado desde o fim de maio, mas ainda precisa ser aprovado nos controles internos de governança e pelos acionistas. Por fim, Bolsonaro e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) falaram em uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar a companhia e a formação de preços – a articulação encontra resistência, inclusive, entre parlamentares do Progressistas, partido de Lira. No entanto, especialistas analisam que a Petrobras se tornou uma espécie de “bode expiatório” para o governo, e que é difícil encontrar soluções sem alterar o PPI.
Matheus Spiess, analista de investimentos da Empiricus, avalia que diferentes grupos políticos estão tentando “capitalizar” em cima da situação e colocam a empresa como alvo. “Está sendo procurado um culpado pelo preço, sendo que é um fenômeno global. Existe uma ala que diz que a solução do problema está na Petrobras, então você tem que intervir de alguma maneira. Outros falam que não, que não pode intervir na Petrobras, senão causa um problema ainda maior, de escassez do produto, falta de diesel, porque parte do produto é importado por falta de capacidade de refino. São diferentes alas querendo pressionar para uma solução, diante do possível contexto de crise social por causa da inflação sobre a população, e também querendo capitalizar em cima da eleição dizendo ‘a solução veio daqui’”, explica.
Spiess também analisa que apenas trocar presidentes não mudaria nada na empresa estatal – com a eventual aprovação do nome de Caio Paes de Andrade, a Petrobras terá o quinto presidente em pouco menos de quatro anos de governo Bolsonaro. “O presidente da República entende que a troca de presidente é uma forma de sinalizar para a base dele de que está demandando uma mudança na condução da Petrobras. Só que a gente tem visto que desde a materialização das mudanças pós-Lava Jato, que mudança de presidente não significa mudança de condução da companhia em si. A companhia se mostrou muito mais autônoma, o que é positivo”, comenta. Ele relembra que, antes de Coelho, o governo Bolsonaro já havia realizado outras duas trocas, com as saídas de Roberto Castello Branco e do general Joaquim Silva e Luna. “Todos os outros eram alinhados com o governo, eles só tinham uma postura de autonomia da empresa e conduziam a empresa como ela deve ser conduzida no fim do dia”.
O economista Eric Gil Dantas, do Observatório Social do Petróleo, entidade ligada a petroleiros, têm avaliação parecida. “A meu ver, o Caio Paes de Andrade não está lá para interferir. O [Adolfo] Sachsida [ministro de Minas e Energia, ao qual a Petrobras é subordinada], nesta semana, já falou que não vê a intervenção nos preços como uma possibilidade. Então, eles devem manter o PPI”, afirma.
Da mesma forma, a CPI teria poucos efeitos práticos. Spiess comenta, no entanto, que deve ter algum impacto na avaliação do mercado sobre a empresa. “O efeito é negativo. Uma CPI agora, porque a empresa estava conduzindo os trabalhos como vem conduzindo desde 2016, não faz sentido nenhum. O mercado vê isso com maus olhos, como se reflete nos preços da companhia. Ficar em cima da empresa a todo momento é prejudicial em termos de percepção [dos investidores]”, pondera.
Mesmo o efeito nas ações deve ser debelado com o passar do tempo, caso a CPI realmente saia do papel, segundo Dantas. “O impacto no preço dos combustíveis é zero. A CPI faz parte da política do Bolsonaro de criar bode expiatório. Nada tem a ver com analisar algo que mude a precificação. Não é algo sério, é teatro. Até porque o que faz os preços estarem neste nível, todos nós sabemos, é o PPI, o preço dos combustíveis no mercado internacional e o câmbio. Na empresa há algum efeito, as ações caíram bastante nos últimos dias. Mas a médio prazo acho que não terá nenhum grande impacto, as ações devem voltar a subir”, projeta.
A questão também é vital para quem depende dos preços do petróleo para trabalhar, como motoristas de aplicativos e caminhoneiros. O governo chegou a sugerir uma bolsa-auxílio aos caminhoneiros. De acordo com Wallace Landim, presidente da Associação Brasileira dos Condutores de Veículos Automotores (Abrava), uma das entidades da categoria, a ideia não resolve os problemas, assim como a CPI, classificada por ele como um “circo”, a troca de presidentes ou mesmo a limitação do ICMS. “A categoria está indignada com os aumentos sequenciais no diesel, também em todos os insumos necessários para que o caminhão rode, subiu óleo lubrificante, pneus, peças para manutenção, comida está insustentável. A redução do ICMS não vai aliviar em nada, já foi consumida pelo último aumento e ainda ficou devendo, além de não ter fiscalização para verificar se os postos irão aplicar a redução na ponta, foi energia jogada fora”, critica Chorão, como é conhecido.
Para resolver o problema, Chorão sugere que a Petrobras deixe de utilizar o PPI para a formação de preços: a alternativa usada seria o “preço de paridade brasileiro”, utilizando parâmetros do mercado interno pelo que é produzido aqui e o que é importado fazer uma média, e não precificar tudo com base no mercado internacional. Dantas faz a mesma sugestão. “A Petrobras deveria precificar os preços dos derivados em base aos seus custos reais de produção (extração e refino mais uma margem de lucro) acrescido o custo de importação dos derivados que a empresa venha a trazer para o país, como mais ou menos ocorria no período pré-2016”, diz. A atuação seria possibilitada devido à estatal extrair o óleo e ter boa capacidade de refino. “Nós não precisamos seguir o PPI. O Brasil importou em 2021 16% dos combustíveis líquidos que consumiu. Com o PPI, nós transformamos esses 16% em 100%. É como se fôssemos um país que não produz petróleo e nem refina, que aí sim seria um mero tomador de preços. Mas somos o nono maior produtor de petróleo e gás do mundo e temos um parque de refino enorme”.
Spiess adverte, no entanto, que o mercado financeiro pode reagir mal a alguma mudança na formação de preços. “Pragmaticamente, funcionou nos últimos anos. A empresa passou por uma crise de credibilidade brutal depois do governo Dilma Rousseff e precisava se recuperar. Só que, como um dos fatores foi o congelamento da política de preços, uma política que flutuasse mais, como a que funciona em todo lugar. O mercado estava apreciando as reformas estruturais da empresa ao mesmo tempo em que era conduzida uma política de paridade de importação. Mudar isso agora traz uma percepção ruim”, analisa, ressaltando que “talvez agora seja um momento que a Petrobras vai ter que dar um pouco mais de previsibilidade e não só seguir a oferta e demanda de mercado com base nos preços internacionais”.
Na opinião do analista financeiro, a solução só viria a longo prazo, devido a uma série de problemas que vão além da política de preços. “No Brasil, há uma série de gargalos: a capacidade de refino, a demanda alta pelos combustíveis por causa da matriz logística, enviesada para um só modal [o rodoviário] que demanda muito desses combustíveis. Então, existem várias vertentes e não é só o PPI. O problema só vai ser resolvido no longo prazo, aumentando a capacidade de refino do país, privatizando algumas partes da companhia para pulverizar e gerar competição em alguns setores que ela atua sozinha. São soluções que demoram para maturar, e nós precisamos de algo de curto prazo. Mudar a política de preços da Petrobras direto, colocando uma ‘casca’ [demorando mais para repassar os preços internacionais] talvez não seja o melhor caminho. A destruição de valor proporcionada por esse movimento pode ser muito pior do que estamos vendo agora”, avalia. Por isso, a concessão de vouchers a algumas categorias ou a criação de um fundo de estabilização por parte da governo seriam soluções imediatas, mas traz outro problema, já que o governo tem pouco espaço no orçamento para implantá-las.
Dantas, por sua vez, diz que a única mudança possível que chegaria ao valor pago pelos consumidores seria o fim do PPI. “Ser uma estatal é determinante para que haja outros incentivos que não exclusivamente a maximização do lucro. Mesmo com toda essa política do PPI, a Petrobras vem, desde o ano passado, vendendo abaixo do PPI, só porque ela é estatal e há pressão política em cima dela”, diz – a avaliação de defasagem nos preços praticados no Brasil é feita pela Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), segundo a qual há 5% em relação à paridade de importação, e o diesel, por sua vez, está 8% abaixo do que seria se a Petrobras adotasse totalmente o sistema.